No último domingo, dia 12/11/2023, o jornal O Globo publicou um editorial que apresenta a opinião oficial do veículo, dando sua posição em relação a regulamentação dos cigarros eletrônicos no Brasil, cujo título é “Liberação do cigarro eletrônico interessa apenas à indústria” e subtítulo “Não há nenhum aspecto positivo em seu consumo, ao contrário do que tentam insinuar os fabricantes“.
Ao longo do texto, O Globo toma partido do lado proibicionista do debate, divulgando informações falsas, fazendo conclusões equivocadas e tenta pintar um quadro irreal acerca do tema, cujo conteúdo poderia ser confundido com uma cartilha produzida pelas organizações que fazem lobby contra a regulamentação no Brasil, várias destas financiadas por capital estrangeiro.
Isso certamente não agradaria ao fundador da Globo, Sr. Roberto Irineu Marinho, que assinou uma carta em 2011 para apresentar princípios editoriais que o artigo acaba jogando no lixo, pois ao escolher e defender um lado de um debate que nem de longe oferece consenso, coloca em cheque o primeiro princípio defendido pelo fundador do jornal, a isenção.
É preciso de um debate sério, pragmático e principalmente isento, o que O Globo falha em fazer e cuja responsabilidade é ainda maior por toda a abrangência e credibilidade que possui aos olhos de milhões de brasileiros.
Liberação vs Regulamentação
A falta de isenção e de neutralidade já começa no título e subtítulo do editorial. A “liberação” dos cigarros eletrônicos não interessa a ninguém, pois é exatamente este o problema que o Brasil enfrenta, um mercado liberado, tomado pelo contrabando e venda ilegal, que não segue qualquer regra, controle sanitário ou de qualidade. O que é defendido por consumidores, organizações de Redução dos Danos do Tabagismo e sim, também a indústria tabagista, é uma regulamentação rígida com diretrizes claras.
Em relação a “não ter nenhum aspecto positivo em seu consumo, ao contrário do que tentam insinuar os fabricantes”, O Globo ignora os governos de mais de 110 países que já permitem o comércio regulamentado dos cigarros eletrônicos e principalmente os vários que até defendem e incentivam o seu uso por adultos fumantes, como é o caso da Inglaterra, Nova Zelândia e Suécia, dentre outros.
A Inglaterra adotou os cigarros eletrônicos como política de saúde pública, e seu Ministério da Saúde lançou em abril deste ano o programa “Swap to Stop” (Trocar para parar) para distribuir 1 milhão de kits de vaporizadores para incentivar adultos fumantes a abandonar os cigarros convencionais.
A Suécia é outro exemplo, que através de uma campanha mundial, está comemorando o feito de se tornar o primeiro do mundo a ser considerado “livre do fumo”, atingindo o índice de 5% de prevalência no tabagismo, realizado 17 anos antes do prazo estabelecido pela Organização Mundial da Saúde, deixando claro que esta conquista foi graças a aceitação dos cigarros eletrônicos como produtos de consumo.
Ao que tudo indica, se há de se ter um consenso pela maioria, o Brasil está no lado errado da história, com apenas 37 países proibindo o comércio de vaporizadores, a maioria deles nações notoriamente autoritárias como Coréia do Norte, Camboja, Irã, Iraque, Singapura e outros.
O interesse maior é dos consumidores
É verdade que a indústria tabagista tem defendido a pauta no Brasil, certamente por seus próprios interesses comerciais, mas ela não é, nem nunca foi, dona do tema. Os cigarros eletrônicos foram inventados em 2003 por um farmacêutico e engenheiro chinês chamado Hon Lik, sem ligações com a indústria tabagista, esta que à princípio ignorou e até atacou os produtos. Somente em 2012 os primeiros modelos com a marca das tabagistas começaram a ser fabricados.
Interessada em oferecer seus produtos de cigarros eletrônicos no Brasil, a indústria tabagista tem recursos para estar na mídia, realizar eventos e divulgar o assunto, portanto consegue maior visibilidade, um prato cheio para que grupos contrários, agora incluindo O Globo, possam usar da falácia de que são os únicos que querem a regulamentação, portanto se a indústria tabagista quer, deve ser ruim, já que estes fabricam os mortíferos cigarros e lucram aos custos da saúde dos seus consumidores.
Mas a verdade é que os consumidores e organizações que os representam, como o DIRETA – Diretório de Informações para Redução dos Danos do Tabagismo, não conseguem espaço na mídia para apresentar um contraponto, em especial na Globo. Como o próprio artigo diz, são mais de 2,2 milhões de adultos que usavam cigarros eletrônicos no Brasil, de acordo com levantamento do Ipec – 2018.
De acordo com o presidente do DIRETA, Alexandro Lucian: “Em nosso trabalho de assessoria de imprensa perdemos as contas de quantas vezes tentamos contato com a Globo, que sempre é bastante vocal sobre o assunto e normalmente de forma negativa. Nosso objetivo é levar um contraponto, baseado na ciência atualizada, que está apresentando uma realidade diferente. Também queremos compartilhar a experiência de outros países que decidiram por permitir o comércio dos cigarros eletrônicos com regras claras e rígidas, o que está protegendo os consumidores, em especial os menores que não devem ter acesso a esses produtos, o que é o oposto do que vemos no Brasil. Infelizmente nossas tentativas não recebem sequer uma negativa, ficando completamente sem resposta e seguimos ignorados.”
Há uma petição com quase 10 mil assinaturas que pede a regulamentação do vape no Brasil enquanto o Projeto de Lei Nº 5008, criticado no editorial do O Globo, segue com mais de 16 mil votos de consumidores que apoiam a iniciativa.
Projeto de Lei Nº 5008
De autoria da senadora Soraya Thronicke (PODEMOS/MS), o PL 5008 apresenta diretrizes para impor regras claras, rígidas e principalmente proteger menores, com multas que podem chegar até R$ 10 milhões de reais para quem fornecer um cigarro eletrônico para alguém com menos de 18 anos.
No entanto, é duramente criticado pelo O Globo, que interpreta erroneamente o texto, ao dizer que “Os fabricantes não estariam obrigados a apontar aditivos e materiais usados na fabricação dos vapes, nem a revelar os riscos do produto na comparação com o cigarro convencional.” O jornal se baseia no uso do termo “relevante para avaliação”, sugerindo que isso seria decidido pelo fabricante e não pela Anvisa, o que chama de “despropósito”.
Porém isso não faz sentido, já que é claro no texto do PL 5008, em seu Capítulo II, que literalmente cita cada um desses pontos, quanto a obrigatoriedade de registro dos produtos na Anvisa, cujo Art. 5º define além da necessidade de indicar os aditivos usados na fabricação dos produtos, como apresentar avaliação de risco toxicológico em comparação específica com os cigarros convencionais “de forma objetiva e no cômputo total dos indicadores”.
Cigarros eletrônicos não equivalem a 20 cigarros
Nota-se uma clara tentativa de minimizar os riscos dos cigarros convencionais para tentar maximizar os riscos dos eletrônicos, cuja estratégia está sendo usada por organizações contrárias a regulamentação, como a Associação Médica Brasileira (AMB), o que causa um desnecessário pânico moral que O Globo ajuda a estabelecer, ao dar espaço para a divulgação desse tipo de informação falsa.
O artigo diz: “Um único dispositivo equivale a cerca de 20 cigarros tradicionais, segundo a Associação Médica Brasileira (AMB). O uso dos cigarros eletrônicos aumenta o risco de câncer, além de doenças respiratórias, cardiovasculares e neurológicas. Não se deve ignorar que vapes têm nível mais alto de nicotina, substância que provoca dependência química. Um estudo do Hospital das Clínicas da USP mostrou que, enquanto cigarros convencionais têm um limite de 1 miligrama de nicotina, os eletrônicos chegam a 57 miligramas por mililitro. A AMB classifica o PL dos Vapes como “desserviço aos cidadãos”.”
A informação é dada pela metade, cujo contexto muda completamente. A verdade é que os cigarros NÃO possuem o limite de 1 mg de nicotina. Essa informação está sendo usada como estratégia para tentar criar uma percepção de risco inadequada dos produtos e o pior é que isso pode passar por verdadeiro, pois no Brasil, Europa e alguns outros países, foi realmente estabelecido um limite máximo de 1 mg de nicotina na fumaça inalada, por aqui definido pela RDC 14/2012 da ANVISA.
Esse foi o valor impresso nos maços de cigarros brasileiros durante muitos anos, o que criou uma espécie de “lenda urbana” sobre a quantidade total de nicotina nos produtos. Na verdade cada cigarro pode possuir de 6 mg até 28 mg de nicotina bruta, dependendo da mistura de tabacos utilizada pelo fabricante. Isso quer dizer que um maço de cigarros pode ter até 560 mg totais! No Brasil o valor médio de nicotina bruta nos cigarros nacionais fica entre 12 mg e 15 mg. Este é o valor que deve ser usado para comparar com aquele encontrado nos cigarros eletrônicos.
Independente da quantidade de nicotina bruta nos produtos, o que realmente define o quanto uma pessoa absorve é o valor da substância no plasma sanguíneo. No caso dos cigarros, em 5 minutos após uma tragada, os níveis de nicotina no sangue passam a ser de 20 a 23 nanogramas por ml, sendo lentamente eliminados pelo organismo ao curso de mais de 30 minutos.
Em comparação, mesmo os cigarros eletrônicos com a maior concentração possível de nicotina comercialmente oferecida, com 60 mg/ml bruta, conseguem entregar no máximo 16 ng/ml ou em torno de 25% a 30% menos, nos mesmos 5 minutos após uma tragada, cuja eliminação pelo organismo é muito mais rápida que nos cigarros tradicionais.
Dizer que “um maço de cigarro contém no máximo 20 mg de nicotina” é tão falso quanto dizer que uma pessoa estará absorvendo toda a nicotina encontrada nos líquidos para cigarros eletrônicos. É como comparar bananas com maçãs.
Inalação de metais pesados e EVALI
Mais uma vez, O Globo dá espaço para a fala de agentes do lobby da proibição, que já apresentaram informações falsas no passado. Paulo Correa, é um deles, cujo artigo diz: “Os vapes trazem, de acordo com o pneumologista Paulo Correa, coordenador da Comissão de Tabagismo da SBPT, os mesmos riscos do cigarro convencional – em especial de câncer e doenças cardíacas — e ainda por cima acrescentam outros, como inalação de metais ou uma doença respiratória aguda grave associada a eles, a evali.”
Paulo Correa já deu entrevista para a TV Globo declarando que os consumidores de cigarros eletrônicos inalam os metais pesados das baterias, demonstrando total desconhecimento sobre os produtos. Baterias são objetos hermeticamente lacrados, que não podem apresentar vazamentos químicos, caso contrário simplesmente não funcionam e apresentam riscos de queimaduras por conta do ácido interno e até explosões.
Já existem centenas de estudos que comprovam que os cigarros eletrônicos oferecem riscos muito menores do que os cigarros convencionais, sendo pelo menos 95% menos prejudicais do que fumar, declaração feita pela maior revisão científica até o momento, realizada pelo Royal College of London, que analisou mais de 400 estudos e concluiu que os cigarros eletrônicos oferecem apenas uma pequena fração dos riscos de fumar, o que está sendo confirmado por especialistas independentes em controle do tabaco.
Em relação a doença respiratória aguda agrave, chamada de Evali, é mais uma alegação falsa, usada por quem ataca a regulamentação. A doença não teve relação com os cigarros eletrônicos contendo nicotina, o tipo consumido no Brasil, mas sim com produtos para consumo de THC, um subproduto da maconha, que é vendido de forma legalizada em vários locais nos Estados Unidos. São similares aos cigarros eletrônicos somente porque também usam a tecnologia de vaporização, nada mais.
A Evali foi uma epidemia causada por produtos falsos que estavam contaminados com Acetato de Vitamina E, uma substância tóxica quando inalada. Após a prisão dos responsáveis pelas falsificações e a retirada dos produtos do mercado, a Evali acabou. Até hoje não houve nenhum caso registrado da doença em pacientes que usaram exclusivamente cigarros eletrônicos contendo somente nicotina.
Usar a Evali como argumento para a proibição dos vapes no Brasil é uma das táticas mais utilizadas por quem é contra a regulamentação, pois é fácil causar impacto ao assustar a população com uma doença grave e terrível, principalmente quando isso é dito por profissionais e organizações de saúde, em quem a sociedade tem a tendência a acreditar automaticamente, o que torna tudo ainda mais pernicioso.
Apesar de ser fácil comprovar que a Evali não tem relação com os cigarros eletrônicos, ainda assim é necessário ultrapassar o filtro das fake news e fazer uma mínima pesquisa. Já existe informação detalhada sobre o assunto publicada no site oficial do CDC – Center for Disease Controle and Prevention, órgão americano máximo de saúde contra epidemias e doenças, que tratou do caso desde o começo e diz em seu site: “Dados nacionais e estaduais de relatórios de pacientes e testes de amostras de produtos mostram que produtos de cigarro eletrônico ou vaping contendo tetrahidrocanabinol (THC), especialmente de fontes informais, como amigos, familiares ou revendedores pessoais ou on-line, estão vinculados à maioria dos casos de EVALI”.
A página inclusive encontra-se arquivada, com o último registro em 18 de Fevereiro de 2020, pois o surto da Evali foi solucionado após a retirada de todos os produtos falsos do mercado, que estavam contaminados com Acetato de Vitamina E. O CDC também faz recomendações, dentre elas que “Adultos que usam cigarros eletrônicos ou produtos vaping contendo nicotina como alternativa aos cigarros não devem voltar a fumar;” e também “Se optarem por utilizar cigarros eletrônicos como alternativa aos cigarros, deverão mudar completamente dos cigarros para os cigarros eletrônicos e não participar num período prolongado de dupla utilização de ambos os produtos, o que atrasa a cessação total do tabagismo.”
Quase 2000 substâncias?
O artigo também traz outra informação que tenta causar pânico moral, e novamente é colocada fora de contexto. “Em artigo recente no GLOBO, Dalcolmo e Correa ressaltaram que os vapes podem conter quase 2 mil substâncias, a maioria não revelada pela indústria, e que os fabricantes não são transparentes em relação à composição dos produtos. Em estudos, já foram encontrados químicos industriais e até pesticida.”
A informação provavelmente se refere à uma pesquisa realizada em Outubro de 2021 que apresentou dados de cromatografia líquida, o primeiro do tipo até então, oferecendo uma análise extremamente sensível e complexa de todos os produtos e subprodutos de uma determinada amostra. Nela foram identificados quase 2000 produtos químicos ao analisar 4 tipos diferentes de cigarros eletrônicos, o que foi amplamente coberto pela mídia, de maneira muitas vezes sensacionalista.
O que o artigo (e os profissionais de saúde) esquecem de explicar, é que não é surpreendente encontrar uma grande variedade de contaminantes orgânicos neste tipo de amostra. Na verdade, nós inalamos todo o tipo de moléculas apenas por andar nas ruas de grandes cidades ou ao usar uma churrasqueira, em qualquer ação de nosso cotidiano.
No entanto, a dose é o que importa.
Nas pesquisas já realizadas, utilizando boa metodologia, ao comparar os produtos químicos presentes nos cigarros convencionais e nos líquidos para cigarros eletrônicos, os resultados mostram quantidades centenas ou milhares de vezes menores nos eletrônicos, mostrando que não são 100% seguros, porém oferecem um impacto muito menor na saúde.
Como se isso isso não fosse suficiente, a pesquisa de 2021 está recheada de falhas. Os autores fizeram tudo o que poderiam ter feito de errado: usaram material de coleta propenso à lixiviação, não explicaram como controlavam a contaminação do ambiente (amostras em branco) e usaram um protocolo de sopro completamente inadequado: testar um dispositivo de alta potência com um fluxo de ar muito baixo, onde máquinas fizeram muitas tragadas em curto espaço de tempo, condições que tornam praticamente certo o superaquecimento do dispositivo e são irreais no consumo por um ser humano. À medida que a temperatura aumenta, várias reações moleculares se tornam ativas e assim cria-se uma grande variedade de compostos.
Sem respaldo na ciência? A OMS na contramão do mundo
Uma última colocação equivocada é feita pelo O Globo quando diz: “A alegação de que os vapes poderiam substituir os cigarros tradicionais por ser menos danosos não encontra respaldo entre os cientistas, além de ser rechaçada pela OMS.”
Ao contrário do que é escrito, a ciência mundial tem mostrado cada vez mais que os cigarros eletrônicos são muito menos prejudiciais do que fumar e que ajudam a parar de fumar com mais eficácia do que adesivos, gomas de mascar e remédios, à venda em farmácias. Já citamos o Royal College of London, a primeira instituição do mundo que na década de 60 declarou que cigarros causavam câncer e que hoje dizem que os cigarros eletrônicos são pelo menos 95% menos prejudiciais do que fumar.
Mas também citamos a Biblioteca Cochrane, organização padrão ouro de revisões científicas de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), com milhares de voluntários e que não recebe financiamento de nenhuma parte que possa gerar conflito de interesses, que declarou com alto grau de certeza (nível máximo de confiança) que os cigarros eletrônicos são o método atual mais eficaz para se parar de fumar.
Em relação a OMS, há duras críticas em sua postura ao ignorar a redução de danos do tabagismo. O órgão usa como base a Convenção-Quadro para Controle do Tabaco (CQCT), documento assinado por diversos países e com importante contribuição do Brasil na sua produção. A CQCT estabelece diretrizes para realizar ações que diminuam as mortes e doenças atreladas ao tabagismo.
Porém, consumidores, especialistas e grupos ao redor do mundo criticam a forma como a CQCT está sendo implementada pela OMS. Em seu primeiro artigo, no item “D” o texto diz que “‘controle do tabaco’ é um conjunto de estratégias direcionadas à redução da oferta, da demanda e dos danos causados pelo tabaco, com o objetivo de melhorar a saúde da população, eliminando ou reduzindo o consumo e a exposição à fumaça de produtos de tabaco;”.
Apesar de constar no texto, a estratégia de RDT – Redução dos Danos do Tabagismo, é descartada. Essa estratégia está sendo utilizada em diversos países do mundo para diminuir com eficácia as doenças e mortes atreladas ao fumo, ao regulamentar e permitir que produtos como cigarros eletrônicos sejam consumidos por adultos fumantes, na troca de um produto que produz fumaça por outro que não produz, o que representa uma grande diminuição dos danos à saúde.
A cada dois anos, a OMS realiza reuniões internacionais para discutir suas diretrizes e neste ano, a Conferência das Partes 10 (COP10) seria realizada no Panamá, mas foi cancelada em meio a acusações de censura, protestos e controvérsias, principalmente pelo formato fechado, cujas discussões não dão abertura para a participação de muitos personagens interessados no tema, porque estes apresentam posicionamentos contrários, tais como os consumidores de cigarros eletrônicos e organizações que os representam.
A justificativa é de que não pode haver interferência da indústria tabagista, para evitar conflitos de interesses, o que é razoável, mas o que se tem visto é o uso dessa justificativa para acusar qualquer contraponto como sendo da indústria, mesmo quando não é, o que impede que se estabeleça qualquer debate real.
Em uma recente mesa redonda realizada pela Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural em 26 de Outubro de 2023, que foi realizada para discutir a posição do Brasil na COP10, o Deputado Marcelo Moraes (PL-RS) criticou a forma como as COPs são realizadas, dizendo: “Tem que cuidar com essa interpretação porque essa visão de que não pode ter ninguém ligado ao setor do tabaco já tá sendo interpretado para que ninguém possa defender o contraponto, não podemos ir aos extremos.”
Ele também aproveitou para criticar a falta de transparência das COPs e contou sua experiência de já ter sido expulso de um evento, dizendo: “Eu sou um exemplo vivo de que não tem nada de público nessa reunião da convenção quadro, e eu tenho vídeo pra mostrar isso, eu fui expulso junto com outros deputados estaduais do Rio Grande do Sul de uma convenção quadro, pelo fato de tentar levar o contraponto”.
Durante a mesma mesa redonda, o Deputado Pezenti (MDB-SC) declara que considera essa COP10 “ditatorial”, pois os temas são tratados entre grupos fechados que não aceitam posições contrárias ao que é apresentado e não permitem a participação de pessoas interessadas que querem apresentar contrapontos, mesmo que não tenham ligação ou influência da indústria do tabaco.
O website Copwatch, uma iniciativa independente de consumidores que monitora e atualiza informações específicas sobre a COP10, publicou um artigo chamado “Mais problemas no pequeno Panamá” relatando que já em junho havia uma série de protestos e bloqueios em todo o Panamá e as preocupações com o custo de vida, a desconfiança nos funcionários do governo, a pobreza, a desigualdade e a corrupção levaram a muito descontentamento, o que poderia influenciar na COP10.
Isso porque a chegada iminente de 1.200 delegados para a conferência da OMS em Novembro muito provavelmente iria contribuir para aumentar a indignação da população. O meio de comunicação panamenho TVN Noticias divulgou uma história no Instagram que mostra o alto valor gasto para concretizar a COP10, em um país em que os cidadãos comuns estão passando por grandes dificuldades: “Em plena crise devido à escassez de medicamentos, insumos médicos e estruturas hospitalares em mau estado, o Ministério da Saúde (Minsa) publicou no portal Panamá Compra um concurso de 4.881.732,20 dólares para a organização de uma conferência contra o tabaco.” diz a publicação.
E em seguida complementa: “De acordo com publicação feita no portal, trata-se de procedimento excepcional de listagem online para contratação de empresa para organização da Décima Conferência das Partes da Organização Mundial da Saúde para o controle do tabagismo.”
Isso equivale a mais de US$ 4.000 por delegado, o que trouxe grandes críticas de cidadãos panamenses de que seus impostos estavam sendo generosamente gastos em uma viagem para que funcionários públicos altamente remunerados tratassem de assuntos relacionados ao tabaco e a nicotina. O Diretor Médico, Fernando Castaneda, ao La Prensa Panamá, declarou “Meu Deus, com metade desse dinheiro podemos comprar incubadoras para recém-nascidos, milhares de remédios, insumos e equipamentos para substituir todos os danificados que temos”.
A COP10 acabou sendo cancelada oficialmente pela OMS e ainda não tem nova data para ser realizada.