Em nota oficial, a OMS – Organização Mundial da Saúde através do site da CQCT – Convenção-Quadro para Controle do Tabaco, declarou que a COP10 – 10ª Conferência das Partes foi adiada para algum momento no começo do ano que vem.
O evento seria realizado no Panamá entre os dias 20 e 25 de Novembro, recebendo cerca de 1.200 delegados de diversos países para discutir políticas e ações da OMS no combate ao tabagismo. A nota diz que a decisão foi tomada por causa dos recentes protestos e da potencial falta de segurança que o país enfrenta, porém antes mesmo desses acontecimentos, o evento já era cercado de críticas, não apenas de especialistas mundiais do controle do tabaco, mas também pela sociedade do Panamá, entenda.
O que é uma COP?
Uma COP é uma Conference of Parties ou Conferência das Partes, eventos que reúnem países para tratar de assuntos de extrema importância, como as COPs realizadas pelas Nações Unidas para tratar do impacto climático no planeta. A OMS realiza a cada 2 anos uma COP para tratar especificamente do tabaco, usando como base a CQCT – Convenção-Quadro para Controle do Tabaco, documento assinado por diversos países e com importante contribuição do Brasil na sua produção.
A CQCT é um documento que estabelece diretrizes para realizar ações que diminuam as mortes e doenças atreladas ao tabagismo. O fumo causa mais de 8 milhões de mortes evitáveis todos os anos e ainda existem mais de 1 bilhão de fumantes em todo o mundo.
Porém, consumidores, especialistas e grupos ao redor do mundo criticam a forma como a CQCT está sendo implementada pela OMS. Em seu primeiro artigo, no item “D” o texto diz que “‘controle do tabaco’ é um conjunto de estratégias direcionadas à redução da oferta, da demanda e dos danos causados pelo tabaco, com o objetivo de melhorar a saúde da população, eliminando ou reduzindo o consumo e a exposição à fumaça de produtos de tabaco;”.
Apesar de constar no texto, a estratégia de RDT – Redução dos Danos do Tabagismo, é descartada. Essa estratégia está sendo utilizada em diversos países do mundo para diminuir com eficácia as doenças e mortes atreladas ao fumo, ao regulamentar e permitir que produtos como cigarros eletrônicos sejam consumidos por adultos fumantes, na troca de um produto que produz fumaça por outro que não produz, o que representa uma grande diminuição dos danos à saúde.
Mais de 100 países já optaram pela regulamentação desses produtos, entre eles a Inglaterra, que adotou os cigarros eletrônicos como política de saúde pública, e seu Ministério da Saúde lançou em abril deste ano o programa “Swap to Stop” (Trocar para parar) que vai distribuir 1 milhão de kits de vaporizadores para incentivar adultos fumantes a abandonar os cigarros convencionais.
A Suécia é outro exemplo de que a regulamentação e aceitação dos cigarros eletrônicos parece ser a melhor opção. O país está prestes a comemorar o feito de se tornar o primeiro do mundo a ser considerado “livre do fumo”, atingindo o índice de 5% de prevalência no tabagismo, feito realizado 17 anos antes do prazo estabelecido pela Organização Mundial da Saúde.
A decisão destes países se baseia no que a ciência tem mostrado em relação a redução dos danos à saúde que estes produtos oferecem em comparação com os cigarros tradicionais. Em setembro de 2022 foi divulgada a maior revisão de estudos científicos sobre o tema, encomendada pelo Ministério de Saúde Inglês e conduzida pelo King´s College London, concluindo que, quando regulamentados e sujeitos a regras sanitárias adequadas, vaporizadores são 95% menos prejudiciais do que os cigarros convencionais, representando apenas uma fração dos riscos de fumar.
Além disso, também foi descoberto que são produtos mais eficazes para ajudar fumantes a parar de fumar do que remédios, adesivos e gomas de mascar de nicotina. De acordo com a Biblioteca Cochrane, organização padrão ouro de revisões científicas de acordo com a Organização Mundial da Saúde, com milhares de voluntários e que não recebe financiamento de nenhuma parte que possa gerar conflito de interesses, que declarou com alto grau de certeza (nível máximo de confiança) que os cigarros eletrônicos são o método atual mais eficaz para se parar de fumar.
“Essa COP10 é ditatorial”
Entretanto, as COPs realizadas pela OMS são cercadas de controvérsias, principalmente pelo formato fechado, cujas discussões não dão abertura para a participação de muitos personagens interessados no tema que apresentam posicionamentos contrários, tais como os consumidores de cigarros eletrônicos e organizações que os representam, como o DIRETA, uma organização não governamental, sem fins lucrativos, que de forma independente e sem influência da indústria tabagista, representa milhares de consumidores de cigarros eletrônicos brasileiros. Nossa entidade, como tantas outras em diversos países e com igual capacidade, não conseguem participar dessas discussões.
A justificativa é de que não pode haver interferência da indústria tabagista, para evitar conflitos de interesses, o que é razoável, mas o que se tem visto é o uso dessa justificativa para acusar qualquer contraponto como sendo da indústria, mesmo quando não é, o que impede que se estabeleça qualquer debate real.
Em uma recente mesa redonda realizada pela Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural em 26 de Outubro de 2023, que foi realizada para discutir a posição do Brasil na COP10, o Deputado Marcelo Moraes (PL-RS) criticou a forma como as COPs são realizadas, dizendo: “Tem que cuidar com essa interpretação porque essa visão de que não pode ter ninguém ligado ao setor do tabaco já tá sendo interpretado para que ninguém possa defender o contraponto, não podemos ir aos extremos.”
Ele também aproveitou para criticar a falta de transparência das COPs e contou sua experiência de já ter sido expulso de um evento, dizendo: “Eu sou um exemplo vivo de que não tem nada de público nessa reunião da convenção quadro, e eu tenho vídeo pra mostrar isso, eu fui expulso junto com outros deputados estaduais do Rio Grande do Sul de uma convenção quadro, pelo fato de tentar levar o contraponto”.
Durante a mesma mesa redonda, o Deputado Pezenti (MDB-SC) declara que considera essa COP10 “ditatorial”, pois os temas são tratados entre grupos fechados que não aceitam posições contrárias ao que é apresentado e não permitem a participação de pessoas interessadas que querem apresentar contrapontos, mesmo que não tenham ligação ou influência da indústria do tabaco.
O website Copwatch, uma iniciativa independente de consumidores que monitora e atualiza informações específicas sobre a COP10, publicou um artigo chamado “Mais problemas no pequeno Panamá” relatando que já em junho havia uma série de protestos e bloqueios em todo o Panamá e as preocupações com o custo de vida, a desconfiança nos funcionários do governo, a pobreza, a desigualdade e a corrupção levaram a muito descontentamento, o que poderia influenciar na COP10.
Isso porque a chegada iminente de 1.200 delegados para a conferência da OMS em Novembro muito provavelmente iria contribuir para aumentar a indignação da população. O meio de comunicação panamenho TVN Noticias divulgou uma história no Instagram que mostra o alto valor gasto para concretizar a COP10, em um país em que os cidadãos comuns estão passando por grandes dificuldades: “Em plena crise devido à escassez de medicamentos, insumos médicos e estruturas hospitalares em mau estado, o Ministério da Saúde (Minsa) publicou no portal Panamá Compra um concurso de 4.881.732,20 dólares para a organização de uma conferência contra o tabaco.” diz a publicação.
E em seguida complementa: “De acordo com publicação feita no portal, trata-se de procedimento excepcional de listagem online para contratação de empresa para organização da Décima Conferência das Partes da Organização Mundial da Saúde para o controle do tabagismo.”
Isso equivale a mais de US$ 4.000 por delegado, o que trouxe grandes críticas de cidadãos panamenses de que seus impostos estavam sendo generosamente gastos em uma viagem para que funcionários públicos altamente remunerados tratassem de assuntos relacionados ao tabaco e a nicotina. O Diretor Médico, Fernando Castaneda, ao La Prensa Panamá, declarou “Meu Deus, com metade desse dinheiro podemos comprar incubadoras para recém-nascidos, milhares de remédios, insumos e equipamentos para substituir todos os danificados que temos”.
Até o momento de publicação desta reportagem, de acordo com a OMS, ainda não há nova data definida para a realização da COP10.